Hoje o meu avô faz anos, ou
melhor: fazia. Mas há dias que simplesmente não se alteram do calendário.
Há muito que não tinha tão
presente o meu avô, como tive semana passada num sonho. Acordei com a sensação de
ter estado com ele, e com o som das suas palavras. Saudades.
Adorava falar, tinha uma grande
sabedoria e uma mente “muito à frente”. Um homem muito prático e racional. Extremamente
arrumado e organizado. Dizem que herdei coisas dele, não sei se é verdade, mas
gosto de pensar que sim.
Já lá vão uns valentes anos que
não o tenho neste dia. Mas particularmente hoje custa-me, custa-me porque nesta
altura que sinto que estamos com a vida suspensa, temos mais tempo para
divagar, pensar na vida, no que tínhamos como garantido, ver as coisas em
perspectiva e pensar nas coisas que realmente importam…
Fazem-me falta os afectos. Não os
beijos e abraços. Mas as conversas e risos e convívios, as festas. Os Natais, Páscoas
e Carnavais do antigamente. O estar com as pessoas, o criar momentos com os
meus filhos como os que tive com o meu avô. E foram tantos!
As histórias intermináveis da
Drogaria Moura (começou varredor e acabou gerente – e que orgulho quando foi á
Praça da Alegria),o jeito para cuidar do quintal e das sebes, a bricolage, o “anexo
das ferramentas” (ainda existe, ao cuidado do meu pai - arrepia-me entrar lá dentro e ver como é pequeno, o que
há uns 30 anos era enorme!). No Natal, quando era pequena, ele levava o
caixote com as prendas: os chocolates embrulhados (com uma nota) em papel
castanho e atado com um fio – igual para todos os netos. (os embrulhos,
que perfeitos eram), e abria as prendas com o seu canivete e com toda a
calma do mundo.
Conhecia o Frank á pouco tempo e
ele precisava de serrar um cabo ou um tubo qualquer. Fomos ter com ele (óbvio!).
Lá fomos á bancada de madeira, ele prendeu o que quer que fosse ao seu pequeno “torno”
(não sei nomes técnicos ...) o Frank a tentar ajudar, e ele: ” - Nunca pegou
num serrote pois não?” - Com aquela voz e o riso entre dentes, de quem tinha
razão. E depois ficava uma tarde, se fosse preciso, a explicar como se faziam
as coisas.
Uma das últimas vezes que renovou
a carta de condução, já devia ter 80 e muitos, a médica fez alguma observação sobre a idade. E diz ele
muito pronto: “- Mas, está a olhar para o bilhete de identidade ou para mim?”
São tantas, tantas histórias …
Lembro-me bem da última vez que o vi. Foi uma luta interna. Falei com a Xana ao telefone. Sabíamos que tinha que ser naquele dia, podia não haver o amanhã… à hora do almoço enchemo-nos de coragem e fomos ao hospital. Que dia, que sentimento estranho, que luta entre olhar para ele e olhar pela janela…
Tenho saudades. Tenho saudades sempre.
Parabéns Avô!
P.s. Gostava de per postado uma
foto mais “recente”, mas ele ainda não era do tempo desta era digital, e com a
mudança de casa no ano passado … está difícil. Nesta foto é provável até que eu
nem fosse nascida, mas, para quem o conheceu, sabe que aqueles braços cruzados
só podiam ser dele…