terça-feira, 16 de março de 2021

AVÔ


 

Hoje o meu avô faz anos, ou melhor: fazia. Mas há dias que simplesmente não se alteram do calendário.

Há muito que não tinha tão presente o meu avô, como tive semana passada num sonho. Acordei com a sensação de ter estado com ele, e com o som das suas palavras. Saudades.

Adorava falar, tinha uma grande sabedoria e uma mente “muito à frente”. Um homem muito prático e racional. Extremamente arrumado e organizado. Dizem que herdei coisas dele, não sei se é verdade, mas gosto de pensar que sim.

Já lá vão uns valentes anos que não o tenho neste dia. Mas particularmente hoje custa-me, custa-me porque nesta altura que sinto que estamos com a vida suspensa, temos mais tempo para divagar, pensar na vida, no que tínhamos como garantido, ver as coisas em perspectiva e pensar nas coisas que realmente importam…

Fazem-me falta os afectos. Não os beijos e abraços. Mas as conversas e risos e convívios, as festas. Os Natais, Páscoas e Carnavais do antigamente. O estar com as pessoas, o criar momentos com os meus filhos como os que tive com o meu avô. E foram tantos!

As histórias intermináveis da Drogaria Moura (começou varredor e acabou gerente – e que orgulho quando foi á Praça da Alegria),o jeito para cuidar do quintal e das sebes, a bricolage, o “anexo das ferramentas” (ainda existe, ao cuidado do meu pai -  arrepia-me  entrar lá dentro e ver como é pequeno, o que há uns 30 anos era enorme!). No Natal, quando era pequena, ele levava o caixote com as prendas: os chocolates embrulhados (com uma nota) em papel castanho e atado com um fio – igual para todos os netos. (os embrulhos, que perfeitos eram), e abria as prendas com o seu canivete e com toda a calma do mundo.

Conhecia o Frank á pouco tempo e ele precisava de serrar um cabo ou um tubo qualquer. Fomos ter com ele (óbvio!). Lá fomos á bancada de madeira, ele prendeu o que quer que fosse ao seu pequeno “torno” (não sei nomes técnicos ...) o Frank a tentar ajudar, e ele: ” - Nunca pegou num serrote pois não?” - Com aquela voz e o riso entre dentes, de quem tinha razão. E depois ficava uma tarde, se fosse preciso, a explicar como se faziam as coisas.

Uma das últimas vezes que renovou a carta de condução, já devia ter 80 e muitos, a médica  fez alguma observação sobre a idade. E diz ele muito pronto: “- Mas, está a olhar para o bilhete de identidade ou para mim?”

São tantas, tantas histórias …

Lembro-me bem da última vez que o vi. Foi uma luta interna. Falei com a Xana ao telefone. Sabíamos que tinha que ser naquele dia, podia não haver o amanhã… à hora do almoço enchemo-nos de coragem e fomos ao hospital. Que dia, que sentimento estranho, que luta entre olhar para ele e olhar pela janela…

Tenho saudades. Tenho saudades sempre.

Parabéns Avô!   

P.s. Gostava de per postado uma foto mais “recente”, mas ele ainda não era do tempo desta era digital, e com a mudança de casa no ano passado … está difícil. Nesta foto é provável até que eu nem fosse nascida, mas, para quem o conheceu, sabe que aqueles braços cruzados só podiam ser dele…

AVÔ

  Hoje o meu avô faz anos, ou melhor: fazia. Mas há dias que simplesmente não se alteram do calendário. Há muito que não tinha tão present...